Em 2022, Meninas em Movimento foca na mobilização em rede para garantir direitos das mulheres e crianças

Por ONG ETAPAS | Postado em ,


Texto: Aline Vieira Costa
Fotos: Ivan Melo

Resgate dos direitos das meninas e mulheres: eis o ponto de chegada tão desejado para 2022 por quem faz o Projeto Meninas em Movimento, realizado pela ActionAid, com o patrocínio da Petrobras e do Governo Federal, por meio do Programa Petrobras Socioambiental, e parceria com Casa da Mulher do Nordeste (CMN), Centro das Mulheres do Cabo (CMC), e ETAPAS. Já o ponto de partida para atingir o objetivo é apenas um: o processo de escuta. Iniciada em 2021, a fase de coleta de dados já mostra que o enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes, foco do projeto, é uma luta atravessada por diversas outras questões sociais, como aponta quem vive nos territórios beneficiados pela iniciativa.

Apesar de diferentes entre si, os sete territórios — Gaibu, Vila Suape, Engenho Massangana e Nova Vila Claudete, localizados no Cabo de Santo Agostinho; Vila Califórnia, em Ipojuca; e Ibura e Passarinho, no Recife — possuem em comum, agora, a oportunidade de debater suas problemáticas, como a violência, a evasão escolar e a falta de acesso a uma rede de saúde e de apoio, em especial, às mães e suas filhas e filhos. A meta é criar, a partir desse mapa de desafios, caminhos para que as comunidades conquistem uma nova fase, na qual seja possível contar com políticas públicas garantidas não apenas por lei, mas pelo ativismo cidadão que cobra, monitora e constrói junto.

Um dos desafios mais urgentes é o enfrentamento às consequências da pandemia, que aprofundou as vulnerabilidades já existentes, por exemplo, em Passarinho. “Hoje não podemos circular com tranquilidade nas ruas por conta do aumento alarmante de crimes. Temos crianças sem vagas na escola e posto de saúde que não atende à demanda crescente da comunidade”, relata a educadora da Casa da Mulher do Nordeste (CMN), Anabelly Brederodes.

As problemáticas, portanto, já estão inseridas na pauta de 2022, cocriada em uma parceria com as moradoras de cada território. “Vamos iniciar o ano articulando o movimento Ocupe Passarinho, que já vem denunciando a falta de acesso a direitos. Desejamos melhorias socioeconômicas e políticas através de ações estratégicas voltadas para saúde mental, acesso a lazer, formação política e controle das políticas públicas”, adianta Anabelly.

A líder comunitária Angela Santana, moradora de Passarinho, integra o Espaço Mulher, um movimento de luta que busca os direitos das mulheres dentro e fora da comunidade, e relata que não há escolas para o público a partir dos 10 anos, nem atividades direcionadas. “As tardes da minha filha são dentro de casa. Não temos uma praça para ela se encontrar com amigas, brincar, conversar, se reunir para estudar. Com essa falta de oportunidade, a gente vê adolescentes, com 13, 15 anos, já mães, às vezes até de um segundo filho”, conta ela, que mantém uma postura de proximidade com a filha.

Em Três Carneiros, no Ibura, a dona de casa Severina Pereira da Veiga, 69 anos, conhecida como Biuzinha, defende essa boa relação familiar. Presidente da Federação Ibura Jordão (FIJ), que agrega 43 entidades da região, Biuzinha reforça a importância de ações que envolvam as famílias como um todo. Ela observa que, muitas vezes, as meninas chegam em casa “de cabeça aberta”, mas os pais têm barreiras com a forma de pensar das adolescentes. “Eu acho muito importante trabalhar a família, como está sendo proposto pelo projeto, porque é assim que a gente vai conseguir mudar o mundo. Não vai ser de repente, mas vai ser valorizando cada vez mais as mulheres para que elas saibam dos seus direitos”, aposta.

Os direitos pleiteados refletem demandas básicas não atendidas pelo Estado, mas as similaridades param por aí. Cabo e Ipojuca são municípios vizinhos, localizados na Região Metropolitana do Recife, com praias consideradas das mais bonitas de Pernambuco, no entanto possuem realidades bem distintas.

Para se ter uma ideia da complexidade da atuação de um projeto como o Meninas em Movimento, é preciso olhar para a teia das características que formam cada local. O território de Suape, no Cabo, possui população majoritariamente nativa, com gerações de famílias que nasceram e cresceram lá, na praia e em pequenos sítios. Já Gaibu, também no Cabo, tem turismo, badalação, violência contra a população jovem e exploração sexual de meninas e meninos. Ainda na mesma região, Engenho Massangana e Califórnia têm formação rural, com atuação ainda mais restrita de políticas públicas, sendo o segundo território originado de uma pequena vila que hoje se encontra em processo de urbanização. Vila Nova Claudete, também no Cabo, é a localidade mais populosa, com quase 20 mil pessoas. Boa parte de sua população é oriunda de locais tradicionais do estado, com características próprias, e foi realocada em conjuntos habitacionais, com pouca estrutura e serviços de políticas públicas.

Ciclos de formação para uma conduta de maior proteção às crianças

A psicóloga Hyldiane Lima, que é coordenadora de projetos do Centro das Mulheres do Cabo e atua como articuladora e mobilizadora no Meninas em Movimento, salienta as muitas atividades empreendidas para lidar com o desafio das diferenças: rodas de conversa, com escutas, práticas integrativas, de cuidado, e a mobilização da rede local, para acompanhamento e monitoramento de casos. Agora, o projeto vai iniciar também ciclos de formação. “O objetivo dos cursos é contribuir com habilidades para a vida e para a proteção dela. Vamos focar no aumento da autoestima, na forma de conduta protetiva para crianças, e na reflexão sobre as condutas de autoproteção das adolescentes, com o intuito de desenvolver a autonomia e o empoderamento delas”.

Entre os temas a serem trabalhados estão os direitos fundamentais das crianças e adolescentes, gênero e feminismo, raça e enfrentamento ao racismo, direitos sexuais e reprodutivos, gravidez na adolescência, democracia e cidadania e direitos à cidade. Segundo Hyldiane, essa formação visa a preparar as adolescentes para assumir o protagonismo da vida delas e contribuir na multiplicação desses temas e discussões junto a meninas e pares, trazendo para elas também o ativismo nas causas sociais. “A partir da discussão sobre direitos e da formação política das jovens, queremos trazê-las para a prática do ativismo juvenil. Começaremos com incidência política nos locais onde elas estão, nas escolas, nas comunidades, e incentivando-as a participar de eventos como ciclos de conferências e audiências públicas”, explica Hyldiane.

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