Chuva no Recife (Reprodução – Redes Sociais)

Texto: Juliana Ribeiro (Etapas)

Desde às chuvas de maio de 2022 (maior catástrofe natural do século 21 em Pernambuco), a população recifense, principalmente moradores de periferia, vivem assombrados com a possibilidade de chuvas intensas no Estado. O que está acontecendo com o clima? Quais os impactos das mudanças climáticas? Por que as mudanças climáticas afetam desastrosamente a população periférica? Quais as possíveis soluções para diminuir os eventos extremos? Quais as responsabilidades do poder público?

Entrevistamos a facilitadora do Greenpeace Recife, pesquisadora pela união europeia, membra da comissão e refúgio da OAB PE, Camila Silva dos Santos, para entendermos essas questões.

Listamos algumas soluções socioambientais para o clima e eventos extremos no Brasil e na Região Metropolitana do Recife, algumas responsabilidades do poder público e soluções trazidas por jovens moradores do Ibura que participaram da Oficina sobre Mudanças Climáticas e Racismo Ambiental – Como Afetam a Região Metropolitana do Recife? promovida pela Etapas, com apoio de ActionAid e Bröt com facilitação do GreenPeace Recife, no mês de abril de 2023.

Etapas: O que está acontecendo com o clima? E quais os impactos dessas mudanças climáticas?

Camila: As mudanças climáticas são um processo natural da terra. É comum que a cada processo geológico, a gente tenha mudanças climáticas. A partir da revolução industrial, houve um processo de aceleração das mudanças climática por causa da poluição, do desenvolvimento industrial e da aceleração do capitalismo. São exemplos de aceleradores das mudanças climáticas: o desmatamento da Amazônia, a exploração de muito minério que ocasionou a tragédia da Vale- em Brumadinho (MG), a poluição dos oceanos, a pecuária que retira a floresta para fazer o pasto e acaba não tendo uma regeneração do ambiente, a exportação de madeira que não pensa em regenerar o lugar que foi degradado.

Os impactos das mudanças climáticas em curto prazo são o que vimos acontecer em maio 2022, chuvas torrenciais, alagamentos e mais de 100 óbitos na Região Metropolitana do Recife, dos quais a maioria estavam no Ibura.

Etapas: Por que as mudanças climáticas afetam desastrosamente a população periférica?

Camila: Os moradores de áreas periféricas (pobres, negros) são os mais afetados com as chuvas porque o governo pensa e gera soluções para as zonas elitizadas da cidade. As zonas de morro (zonas baixas com pontos alagáveis) que têm muitas enchentes e deslizamentos de morros não são vistas como prioridade. Daí vem o termo *Racismo Ambiental.

*Racismo ambiental é a discriminação racial na elaboração de políticas ambientais, na aplicação de regulamentos e leis, e no direcionamento deliberado de comunidades negras para instalações de lixo tóxico, com risco de vida em nossas comunidades e a exclusão de negros da liderança dos movimentos ecológicos.

Etapas: Quais as possíveis soluções para diminuir os eventos extremos?

Camila: Em recife temos uma *biodiversidade muito rica que é o mangue. O mangue é uma das vegetações que mais sequestra carbono na natureza. Ampliar as zonas de mangues ajudaria a diminuir a temperatura e o ambiente não ficaria tão quente, porque o mangue tira CO² da atmosfera, e suas raízes filtram muita água, com isso evitaria alagamentos.

Precisamos retomar o curso dos rios – como o Rio Tejipió, o Rio Beberibe e o Capibaribe. Quando os rios recuperam o curso natural eles param causar pontos de alagamentos /lixo e param de ser problemas para cidade. Precisamos criar sistemas de drenagens mais eficientes pela cidade.

A gente consegue diminuir o agravamento das mudanças climáticas com a regeneração da Amazônia, a regeneração de locais que as *biodiversidades foram perdidas. Isso só acontece se a gente tiver uma união do governo com políticas públicas específicas, a sociedade civil cobrando o governo e as universidades gerando pesquisas. Uma solução a longo prazo seria criar um laboratório climático.

*Biodiversidade
A biodiversidade, ou diversidade biológica, é o conjunto de todos os seres vivos existentes, o que inclui todas as plantas, animais e microrganismos da Terra. É justamente essa diversidade e a interação entre as diferentes espécies que torna nosso planeta habitável. (Fonte: GreenPeace Brasil)

Etapas: Quais as medidas que os governos precisam tomar?

Camila: O poder público precisa colocar a pauta socioambiental como prioridade. Precisa criar políticas públicas para os locais de morro e pontos de alagamento.
Precisa investir em pesquisa. Precisa capacitar pessoas que estão em pontos de riscos: criar uma população com maior entendimento socioambiental para que entendam que a preocupação com o meio ambiente faz parte da vida dela.

A medida que as cidades foram avançando a gente foi perdendo a flora (arvores) e a fauna (animais). Precisamos recuperar as biodiversidades dos biomas brasileiros (Cerrado/ Amazônia / Caatinga/ Pampa / Pantanal).

Precisamos falar sobre a importância da restinga: “aquele mato que fica na areia da praia impede o avanço do mar. Não pode ser retirado da areia. ”

O governo precisa tentar compreender com pesquisadores como podem melhorar as regiões. Nossa luta não é só para recuperar a biodiversidade, mas evitar que as pessoas morram no período chuvoso.

Cerca de 25 adolescentes e jovens moradores do Ibura participaram da Oficina sobre Mudanças Climáticas e Racismo ambiental – Como Afetam a Região Metropolitana do Recife?, promovida pela Etapas, com apoio de Bröt (Pão Para o Mundo) e ActionAid e facilitação do GreenPeace Recife, no mês de abril de 2023. A oficina faz parte do projeto “Jovens e Mulheres protagonistas pelo Direito à Cidade e Políticas Públicas” com o objetivo de promover formações e incidência política nas questões de meio ambiente e direito à cultura e ao lazer.

A facilitadora do GreenPeace, Camila Silva, trouxe as questões levantadas nesta entrevista para o grupo. A dinâmica do exercício trouxe as soluções dos jovens para o próprio território sobre Governança, Pessoas e Meio Ambiente:

Soluções dos adolescentes do Ibura

Governança:

• Criação de reuniões com as pessoas do bairro e o poder público (prefeito e governadora)
• Visita do poder público as localidades
• Criação de comitês para atendimento das demandas da comunidade

Pessoas:

• Organização de mutirões de limpeza
• Realização de outra oficinas, como a que eu fiz com eles, com frequência
• Reunião das pessoas afetadas para fazer estratégias de diálogo com o poder público

Meio Ambiente:

• Criação de um projeto para arrecadação de materiais recicláveis, para mães desempregadas da comunidade trabalharem com esses materiais. Gerando assim a sua fonte de renda
• Distribuição de ponto de coleta de recicláveis para a comunidade

• Oficina ensinando a fazer objetos para venda com materiais recicláveis
• Plantio de árvores
• Oficinas falando sobre o meio ambiente para a comunidade

A KinderNotHilfe Alemanha, apoiadora da Etapas no projeto de enfrentamento às violências doméstica e comunitária contra crianças e adolescentes do Ibura, visitou as famílias participantes do projeto e vítimas das chuvas

 

Neste mês de outubro, a Etapas recebeu a visita dos representantes da KinderNotHilfe Alemanha (KNH-Alemanha) apoiadora da Etapas no projeto “Nenhum Direito a Menos, Mas Todos os Direitos”, de enfrentamento às violências doméstica e comunitária contra crianças e adolescentes no Ibura-Jordão.

A visita consistiu em conhecer a sede do projeto, as comunidades da Vila 27 de Abril e Portelinha, as histórias de mudanças de vida das famílias e adolescentes participantes do projeto, assim como ver, na prática, o apoio emergencial às vítimas das chuvas de maio 2022 nas duas comunidades.

Após uma roda de diálogo no Conselho de Moradores da Vila 27 de Abril (sede do projeto que está interditada por conta do risco de desabamento de barreira), um grupo de mães, técnicos da Etapas, líderes comunitárias, adolescentes e técnicos da KNH foram reconhecer o território e a situação após a tragédia das chuvas.

A líder comunitária, Tânia, contou as histórias das famílias que perderam seus parentes, suas casas, da demora da chegada da defesa civil no dia do desabamento das barreiras. “Os moradores tiveram que desenterrar os corpos de uma mulher e seus dois filhos que ficaram na calçada por dias. Foi uma tristeza”, afirma.

Ela contou também do descaso com a população quanto ao recebimento do auxílio emergencial do Governo de Pernambuco. “Em maio e junho nós tivemos muitas doações. Agora não tem mais doações e estamos há 5 meses sem receber o auxílio do governo, o que tá salvando é o apoio emergencial da cesta básica e do cartão alimentação do projeto [Nenhum Direito a Menos, mas Todos os direitos]” relata.

Após o reconhecimento do território, o grupo de técnicos da Etapas e KNH seguiram para a Associação da Vila Tancredo Neves, na UR-5, onde há uma articulação para ser a nova sede do projeto a partir de novembro 2022. O grupo conheceu o novo espaço e conversou com a liderança comunitária, “Ida” [como gosta de ser chamada].

Ida diz estar bem receptiva a chegada do projeto. “Quando eu soube que era para fazer as atividades com as crianças do projeto da Etapas, eu já vislumbrei uma oportunidade para algumas crianças da UR5. A Etapas tem um trabalho bem falado aqui no Ibura”, afirma.

Após o reconhecimento da Associação da UR5, o grupo de técnicos da Etapas e KNH seguiram para um Coworking em Boa Viagem, para conversar sobre ajustes e decisões do projeto para o próximo triênio 2023-2025.

Barreiras no Ibura-Recife (local mais devastado pelas chuvas de maio de 2022) – Foto: Acervo Etapas

Em nota, a Etapas se solidariza com as famílias de Recife e Região Metropolitana, vítimas dos soterramentos, da destruição, do desespero com as fortes chuvas em Pernambuco no último final de semana de maio. Mais uma vez a política pública não estava presente para resolver as demandas urgentes da população.

Estamos em luto e na luta para amenizar as dores das pessoas desabrigadas, que precisam recomeçar suas vidas “do zero”.

Temos 40 anos de atuação nas comunidades. Estamos disponibilizando nosso PIX INSTITUCIONAL e nossa SEDE para receber doações e destinar às famílias do Ibura.

O que doar:

-Água
-Produtos de Higiene Pessoal
-Produtos de Limpeza
-Utensílios de Cozinha
-Roupas de Cama
-Colchões
-Móveis
-Roupas

Onde doar:

Sede da Etapas: Rua da Soledade, 243 – Boa Vista – Recife
De Segunda a sexta-feira
Das 9h às 15h

PIX: 11.017.803/0001-75