Fundação lançou cartilha com orientações para prevenir e denunciar ações que vitimizem crianças e adolescentes

As Olimpíadas podem provocar o aumento da exploração laboral e sexual infantil, avalia a Fundação Abrinq, que lançou uma cartilha dando orientações de como prevenir e denunciar ações que vitimizem crianças e adolescentes. Segundo a instituição, em grandes eventos como os Jogos Olímpicos, que devem atrair cerca de 500 mil turistas ao Rio de Janeiro, as crianças podem ser exploradas antes, durante e depois do seu término. Os jogos começam dia 6 e vão até dia 21 de agosto.

Segundo dados do Observatório da Criança e do Adolescente da Abrinq, cerca de 897 mil crianças com idade entre 5 e 14 anos trabalhavam em 2014. “Há pesquisas que comprovam que grandes eventos sempre ampliam a exploração no trabalho e sexual de crianças, adolescentes e mulheres. É necessário que a população tenha toda a atenção para a ocorrência de casos como esse”, afirma a diretora executiva da Abrinq, Denise Cesária.

A Fundação destaca locais onde o trabalho infantil ocorre com maior frequência: obras de infraestrutura anteriores ao início dos jogos; em aeroportos e rodoviárias; em locais turísticos como guias mirins, vendendo materiais esportivos e alimentos; no comércio de rua, executando malabares e pedindo esmolas. Também pontua setores econômicos que utilizam desse tipo de mão de obra, como a indústria da confecção, movimentada pela produção de roupas esportivas e da reciclagem de latas e papéis.

“O trabalho informal urbano ou no contexto familiar são formas muito difíceis de serem identificadas. De certa forma elas são até naturalizadas. Mas a legislação só permite trabalho a partir de 16 anos. E entre essa idade e os 18 anos, eles não podem executar tarefas perigosas. O trabalho informal, na rua, em lugares insalubres, são por si só bem perigosos”, argumenta.

Exploração sexual

A forma mais grave de trabalho infantil é a exploração sexual comercial, prática que aumenta durante grandes eventos. Denise lembra que apesar dos Jogos se concentrarem no Rio de Janeiro (há modalidades realizadas em outras cidades do país), os turistas nacionais ou estrangeiros circularão pelo país, muitos deles, dispostos a esse tipo de prática. É considerada exploração sexual atividades eróticas, com ou sem a prática de sexo. Em 2015, o Disque 100 recebeu 19.275 denúncias de violência sexual, dessas 3.858 foram de exploração sexual.

Locais de entretenimento como boates e barracas de praia favorecem a exploração sexual, segundo a cartilha da Abrinq. A Fundação também menciona agências de publicidade, de turismo e de emprego. “O envolvimento com o tráfico de drogas e a exploração sexual demandam um envolvimento policial, para identificar e deter. Os jogos apresentam grandes chances de desenvolvimento. Mas tem impactos muitos graves em relação a proteção das crianças e dos adolescentes”, alerta.

Fonte: Brasil de Fato

“Existem pessoas que se alimentam destas práticas. Existem pessoas que pagam por sexo com crianças e adolescentes, com o único intuito de realizar seus fetiches e desejos mais obscuros. Assim como a maldade alheia, que vem de uma prática milenar de mercantilização do ser humano, associados a uma questão meramente cultural e/ou econômica.”- Inês Dias (Militante na prevenção e combate à violência doméstica e sexual)

Em 23 de setembro é lembrado o Dia Internacional contra a Exploração Sexual. A Lei Palácios foi criada há exatamente 102 anos, na Argentina, para punir quem promovesse ou facilitasse a prostituição e corrupção de crianças e adolescentes e inspirou outros países a protegerem sua população, sobretudo mulheres e crianças, contra a exploração.

A Equipe Técnica de Assessoria, Pesquisa e Ação Social (Etapas), entrevistou a militante na prevenção e combate à violência doméstica e sexual, Inês Dias. Ela, que iniciou sua militância devido a opressão que sofria no ambiente doméstico, passou de vítima à representante do Brasil em movimentos internacionais. No momento, atua na assessora técnica da Secretaria Executiva da Criança e Juventude do Governo do Estado de Pernambuco .

Etapas: O que te motivou e como iniciou-se o processo de militância?

Inês Dias: A violência permeava a minha família. Em 1991, comecei a ser assistida pela ONG Feminista – Coletivo Mulher Vida – e então descobri que eu não precisava mais sofrer violência, ou melhor, que eu nem tinha que está sofrendo violência, pois as crianças precisam ser amadas e protegidas. Nesse despertar, veio o desejo de dar um basta, o desejo de libertação, o desejo de gritar para o mundo ouvir: “basta de violência.”

Durante estes 14 anos, fiz cursos, participei de espaços políticos e de controle social, passei a representar a instituição em conferencias, seminários, congressos e qualquer evento cujo o adolescente e o jovem fossem o público desejado. Mas, eu queria mais… participei do I Congresso Mundial contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes, em 1996, na cidade de Estocolmo – Suécia. A partir de então  passei a representar o meu país em movimentos internacionais como foi o caso do ECPAT internacional.

A violência sexual pode ser configurada em abuso e exploração, qual a diferença?

Abuso sexual é todo ato de natureza sexual, com ou sem contato físico, sem o consentimento da vitima. E, nos casos com crianças, esse “consentimento” não existe.

No caso da exploração sexual, é todo ato de natureza sexual, com objetivo de lucro. Ou seja, o uso do corpo de uma criança ou adolescente para fins de obter prazer sexual, mediante pagamento. Este pagamento pode ser em espécie ou não (alimentos, objetos e bens de consumo).

O que configura a exploração sexual? Quais as causas?

A exploração sexual é caracterizada pela relação sexual de uma criança ou adolescente com adultos, ou pessoas mais velhas, mediante pagamento em dinheiro ou qualquer outro benefício. Ela se manifesta comumente nas seguintes formas: pornografia, exploração sexual, no turismo e trafico para fins sexuais.

O Guia de referência: construindo uma cultura de prevenção à violência sexual define a exploração sexual em agenciada e não agenciada. Ela é agenciada quando há a intermediação por uma ou mais pessoas ou serviços. No primeiro caso, as pessoas são chamadas rufiões, cafetões e cafetinas e, no segundo, os serviços são normalmente conhecidos como bordéis, serviços de acompanhamento, clubes noturnos. São não agenciadas quando há a prática de atos sexuais realizada por crianças e adolescentes mediante pagamento ou troca de um bem, droga ou serviços.

No tocante a exploração sexual, não podemos definir causas que levam a exploração. Podemos afirmar, sim, que muitos fatores estão associados a este tipo de crime, que podem ser de ordem cultural, social e econômica.

Quais as consequências causadas às vítimas?

O dano causado às vitima são, desde o amadurecimento precoce à aquisição de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), gravidez na adolescência e ou indesejada, maus tratos, violência física, uso abusivo de drogas e outros. Estes danos podem ser de natureza psicológica ou física, e em situações extremas, podem levar a morte.

Como está o atual cenário pernambucano em relação a essa prática?

Em Pernambuco o único dado oficial que temos é o mapeamento da Policia Rodoviária Federal, onde define alguns pontos de vulnerabilidade e exploração sexual nas rodovias brasileiras e destaca por Unidade da Federação. Contudo, é notório que este número é crescente, uma vez que não existe nenhuma proposta metodológica de intervenção prática com as vítimas nos locais citados, ou seja, há de certa forma uma falta de atuação frente a este tipo de violação por parte dos órgãos governamentais e não governamentais em Pernambuco.

No Disk 100, as denúncias de violência sexual chegaram a 7 mil em 2014, das quais 27% foram provenientes da região Nordeste e somente 5% foram de Pernambuco. Como podemos explicar este caso?

Com relação ao Disque 100, existem muitas questões a serem ponderadas. Neste caso especifico, eu faço um recorte de que a denúncia está diretamente ligada a resolutividade dos casos, ou seja, a sociedade de um modo geral tende a desacreditar nos canais de denúncia, quando os mesmo deixam a desejar.

O Disque 100 passou por diversas reformulações neste período, o que, de certa forma, comprometeu a sua qualidade. Principalmente nas intervenções de violência e nos encaminhamentos dados. Muitos equívocos com relação ao fluxo e até muitas vezes a inacessibilidade dos usuários aos canais. Contudo, é bem verdade que precisamos intensificar cada vez mais as campanhas educativas e informativas, visando a ampliação do olhar da sociedade acerca da denúncia, principalmente com relação a violações de direitos de crianças e adolescentes.

Segundo dados do II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil (2005), uma em cada três trabalhadoras do sexo, no Recife, tem menos de 18 anos e aproximadamente metade delas é usuária regular do crack. Qual sua análise a respeito deste dado?

Estes dados são no mínimo aterradores, afinal, nominar mulheres menores de 18 anos de trabalhadoras do sexo é no mínimo um grande equivoco. A legislação brasileira é muito clara, meninas ou meninos, menores de 18 anos envolvidas no mercado do sexo estão sendo vítimas de exploração sexual e tendo isso com um dado oficial, isso teria que no mínimo ter virado denuncia.

Ponderado este dado, infelizmente, a grande maioria dos adolescentes envolvidos na exploração sexual estão, sem dúvidas, enterradas nas drogas. Contrariando os argumentos da sociedade movidas pelo preconceito do senso comum, estas meninas não conseguem dinheiro fácil, muitas vezes têm que se drogar pra suportar os abusos e violências dos clientes, que pagam pelo sexo e desta forma se sentem no direito de fazê-los. Para estas pessoas, as vítimas tornam-se um mero objeto sexual e /ou mercadoria de troca.

Quais as práticas que ainda sustentam a rede de exploração sexual?

Na verdade, falando de forma simplória, e pode até ser considerada um pouco leviana, o que sustenta a rede de exploração sexual, com todo vigor que ela tem até hoje, é a demanda. Existem pessoas que se alimentam destas práticas. Existem pessoas que pagam por sexo com crianças e adolescentes, com o único intuito de realizar seus fetiches e desejos mais obscuros. Assim como a maldade alheia, que vem de uma prática milenar de mercantiliza do humano, associados a uma questão meramente cultural e/ou econômica.

Quais as ações de enfrentamento do Governo do Estado de Pernambuco?

A Secretaria Executiva da Criança e Juventude vem ao longo de quatro anos, precisamente, desenvolvendo o Programa Atenção Redobrada, que é uma estratégia viável de enfrentamento a estas e outras práticas de violação de direitos de crianças e adolescentes. O programa tem o município como o grande protagonista da ação, tendo o estado como um parceiro direto, no planejamento, capacitação dos atores envolvidos e no monitoramento.
A secretaria participa também como membro de espaços de articulação política e controle social, como fóruns, redes, comitês e conselhos de direito.

Quais os desafios enfrentados pelo Governo?

Os desafios são diversos. Atualmente, o principal deles é a conjuntura política e econômica atual, que não nos permite ampliar nossas ações, e muitas vezes, acaba por culminar com a descontinuidade de algumas ações. Contudo, desafios existem para serem superados, e é muito importante criar estratégias de superação. Uma delas seria estimular os municípios a desenvolverem ações locais, fomentando o protagonismo dos mesmos em iniciativas locais, onde oferecemos apoio de forma técnica e materiais educativos e informativos.

A Etapas esteve capacitando jovens mulheres do território Ibura-Jordão, durante o triênio 2012-2015, com o projeto “Reduzindo a Exploração Sexual de Meninas: Uma Abordagem Integrada” – confira a matéria

Com atuação há mais de 25 anos no território do Ibura-Jordão (Recife) e parceria com a ActionAid há cerca de 10 anos, a Etapas foi incitada pela ActionAid – Brasil para analisar, a partir de dados secundários e de um estudo de base (consulta às comunidades), a relação entre exploração sexual e o vício das drogas. O estudo, que também envolveu as comunidades de Passarinho (Recife) e Charneca (Cabo), revelou um aumento da associação entre o vício das drogas e a exploração e constatou o que outras pesquisas nacionais e mundiais apontam como fatores condutores da vulnerabilidade: baixa autoestima; falta de conhecimento dos direitos e do acesso a tratamento e cuidados; estigma relacionado à profissão do sexo; falta de abordagem integrada por parte dos diferentes níveis de governo e seus departamentos.

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Oficina de teatro: meninas do Ibura são capacitadas para multiplicarem seus conhecimento através da arte

Em 2012, a Etapas passa a realizar atividades de formação com 40 meninas (entre 9 e 13 anos), das comunidades da UR-10, Três Carneiros e Vila 27 de Abril – ambas situadas no bairro do Ibura – visando formar jovens líderes multiplicadoras de conhecimento para o enfrentamento à exploração sexual e uso das drogas naquela região.
As ações envolveram formação entre pares, campanhas de conscientização com apresentações culturais, mobilizações e passeatas, ciclos de reflexão entre as Organizações Não Governamentais e Organizações Comunitárias, sessões de terapia e fortalecimento familiar, seminários e incidência política.

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A técnica da Etapas, Isabela Valença, fala sobre a experiência de coordenar o projeto dentro do território do Ibura

Passados três anos de atividades, o projeto foi encerrado em julho deste ano, com a divulgação dos resultados no seminário “Aprendizados e Desafios no Enfrentamento à Exploração Sexual em um Contexto de Drogas”.

Cerca de 120 meninas foram capacitadas para multiplicar conhecimento e mais de 2.000 foram sensibilizadas sobre os riscos da vulnerabilidade ao uso das drogas e exploração sexual. Para a gestora do projeto, Daiane Dutra um importante aprendizado foi constatar que o empoderamento de jovens mulheres para o enfrentamento à exploração sexual gera mudanças na vida pessoal, no âmbito familiar e comunitário.

A técnica da Etapas e coordenadora do projeto, Isabela Valença, argumenta que a importância do envolvimento das lideranças comunitárias nas fases de planejamento e execução foi o diferencial no projeto. “Elas não foram apenas ‘público’. Foram parceiras na execução e na articulação junto aos gestores e familiares”, refletiu.

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A jovem líder, Alice Silva (13), relata seu aprendizado durante os três anos do projeto “Reduzindo a Exploração de Meninas: Uma Abordagem Integrada”

A estudante Alice Silva (13), moradora da comunidade de Três Carneiros – Ibura, entrou no projeto aos 10 anos e relata que a experiência ampliou sua visão de mundo. “Aprendi que crianças têm direitos e devem lutar por eles”, afirma. Alice é tão empoderada que na IX Conferência Municipal da Criança e do Adolescente do Recife foi eleita delegada para representar a Região Político-Administrativa 6 (Ibura-Cohab) na próxima Conferência Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente de Pernambuco, marcada para acontecer em agosto, no Chevrolet Hall (Olinda).

A estudante Ismaele Raabe (14), moradora da comunidade da UR10- Ibura, relata que a participação no projeto ajudou na compreensão sobre os tipos de violência sexual, métodos de prevenção e denúncia. “Aprendi que receber presentes em troca de promiscuidade é exploração e que podemos denunciar os diversos tipos de violência contra mulher, sem precisar de identificação, ligando no Disk 100”, disse.

Jovens das três comunidades (Ibura/Passarinho/Charneca) foram apresentas a campanha "As Rochedas" na sede da Agência Ampla
Jovens das três comunidades (Ibura/Passarinho/Charneca) foram apresentas a campanha “As Rochedas” na sede da Agência Ampla

O projeto finalizou as atividades físicas, porém as ações online irão continuar. Dez meninas das comunidades do Ibura, Passarinho e Charneca tiveram aulas de regras de postagem no facebook para “alimentar” a fanpage da  campanha “As Rochedas” – criada pela Agência Ampla com o incentivo da ONG The International Exchange – TIE, cujo o objetivo é sensibilizar outros públicos sobre o combate da exploração sexual. Além da fanpage, haverá distribuição de produtos de comunicação (broches, adesivos, cartazes, camisas) nas três comunidades envolvidas no projeto.

 

As organizações não governamentais pernambucanas envolvidas no projeto foram Etapas, Casa da Mulher do Nordeste, Centro das Mulheres do Cabo.

Serviço Telefônicos:

Denúncias:
Disk 100 | Polícia Federal (Regional Pernambuco)- (81) 2137-4000

Assistências:
Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) – (81) 3355-6623
Secretaria Executiva de Políticas da Criança e da Juventude – (81) 3183-0712