Crianças do projeto “Mudando práticas, Assegurando Direitos” colocam as mãos na massa para construção do Jardim Comunitário

Com o objetivo de contribuir com a luta pela efetivação do direito à saúde e saneamento básico nas periferias da cidade do Recife, a Etapas incorporou ao plano de trabalho ações de sensibilização e mobilização de crianças, adolescentes, lideranças comunitárias, gestores públicos e famílias do Ibura em prol do Meio Ambiente.  Neste mês de abril a culminância das ações resultou na transformação de um ponto histórico de acumulo de lixo na comunidade de Três Carneiros em uma área verde com jardim comunitário.

Segundo a liderança comunitária de Três Carneiros, Severina Veiga, a luta dos moradores é para que a Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb) não deixe ponto de confinamento de lixo no alto dos morros e faça a coleta regularmente.

“Devido grande parte da comunidade está situada em lugares íngremes e com muitas escadas, nem o caminhão do lixo, nem a coleta manual chega nas casas todos os dias e aí os moradores descartam o lixo nos pontos de confinamento deixados pela Emlurb”, relata.

Um dos lugares com acúmulo de lixo ficava no canteiro ao lado de um posto de saúde e do Clube de Mães, lugar onde acontecem atividades diárias com 20 crianças do projeto “Mudando Práticas Assegurando Direitos (MPAD)” (Etapas/Comdica).

A partir de reuniões com lideranças comunitária da Federação Ibura Jordão (FIJ), gestores públicos e com a EMLURB foi realizado um mapeamento dos pontos de acumulo de lixo, no qual a empresa se comprometeu a realocar o ponto de confinamento de lixo para a Avenida São Paulo e enviar triciclos para coletar o lixo no alto dos morros regularmente. Os moradores do entorno se comprometeram a monitorar e preservar o jardim comunitário. As crianças do MPAD incorporaram nas atividades o aguo da plantação.

Para o coordenador do programa de crianças e adolescentes da Etapas, Pedro Ribeiro, o impacto do jardim comunitário se dá na melhoria da convivência nos espaços públicos do entorno, além do afastamento das doenças infectocontagiosas.

Os projetos “Mudando Prática e Assegurando Direitos” – MPAD (Etapas/Comdica) e “Mais Proteção, Menos Violência” (Etapas/KNH-Alemanha) – ambos executados em comunidades do Ibura – completam três anos de atividades construindo novas práticas de diálogo e participação, envolvendo crianças, lideranças comunitárias, gestores públicos, familiares e responsáveis no enfrentamento à violência doméstica e comunitária contra crianças e adolescentes do território.

Mudando Práticas, Assegurando Direitos

Parte da turma de 20 crianças do terceiro ano do MPAD em atividade no Posto de Saúde da Família de Três Carneiros

Com a missão de fortalecer a afetividade entre crianças, familiares e comunidade, e estimular a reflexão com temas sociais que fazem parte do cotidiano, o Mudando Práticas, Assegurando Direitos, vem criando autonomia e consciência nas crianças com relação aos direitos, apoiando famílias para que estejam mais abertas para o diálogo e observando, junto ao poder público, as ações e lacunas que contribuem para a insegurança e possíveis violações de direitos das crianças e adolescentes.

“Um espaço histórico de acumulação de lixo que deixava uma rua mais escura, perigosa e suja, rua que as crianças utilizam diariamente para se locomover para escola, está sendo recuperado a partir da articulação do projeto com a Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana – EMLURB e outros órgãos públicos”, exemplifica o pedagogo e coordenador do MPAD, Pedro Ribeiro.

“A comunidade de Três Carneiros está mais aberta a falar sobre violência sexual, tendo se tornado um tema que vem sendo tratado constantemente pelas famílias, que hoje conseguem identificar que seus filhos e filhas estão por muitos momentos em situação de vulnerabilidade. A alternativa de criar autonomia e consciência com relação aos seus direitos, em crianças e adolescentes, para que não se tornem presa fácil para violadores/abusadores, é vista pelas famílias de forma positiva”, relata Pedro.

Mais proteção, Menos violência

O projeto tem o objetivo de enfrentar a violência doméstica através do fortalecimento dos vínculos familiares, para que crianças e adolescentes experimentem relações humanizadas em um ambiente familiar e comunitário favorável. O trabalho direto acontece com 240 crianças e adolescente de 6 a 17 anos, e com 120 famílias das comunidades de Vila 27 de Abril e Portelinha.

Para o educador do Mais Proteção, Menos Violência, Cristiano Ferreira, os avanços com o terceiro ano do projeto são perceptíveis através de observações do progresso das crianças e adolescentes sobre o conhecimento dos direitos e deveres, na multiplicação dos conhecimentos adquiridos, assim como o cuidado entre os pares.

“Nos grupos de adolescentes percebe-se uma maior participação nos espaços de incidência, assim como a apropriação pelas questões que permeiam a sociedade.
O brincar hoje é um momento de troca e afeto e não mais de violência e individualismo, os discursos dos adolescentes homens já não são mais machistas e há uma igualdade entre os gêneros nas suas relações interpessoais”, reflete Cristiano.

Para a assistente social, Isabela Valença, o trabalho com as famílias está avançando na perspectiva do conhecimento de mães, pais e responsáveis com novas formas de educar através do diálogo. “Algumas famílias identificaram que educavam com violência. A partir das novas práticas que foram trabalhadas no projeto, alguma reafirmaram o desejo de mudar”, aponta.

A Rede De Proteção formada por Detentores de Deveres (famílias, organizações comunitárias e gestores públicos) – avança no que se refere aos encontros semestrais nos cursos promovidos pela Etapas.

Lideranças comunitárias reunidas na FIJ para planejar incidência política no Recife e Pernambuco

Cerca de 30 lideranças comunitárias do Ibura e Jordão – filiadas a Federação de Moradores do Ibura-Jordão (FIJ) – se reuniram para planejar ações de incidência política em Recife e Pernambuco em busca do direito a moradia digna e usufruto da cidade. A atividade faz parte do planejamento anual da Etapas e aconteceu na sede da FIJ no dia 24 de fevereiro.

Os grupos de trabalho escolheram pautar a incidência política com foco nos direitos: da primeira infância, de crianças e adolescentes, das juventudes, das mulheres e dos sujeitos com pleno direito à moradia e usufruto da cidade.

Em 2018 a FIJ realizará seminários públicos e rodas de diálogos sobre habitação, saúde, educação, assistência social, mobilidade, gênero, emprego e renda. As lideranças estão articuladas em conselhos de direitos e participarão das conferências de Educação; Criança e Adolescente; Revisão do Plano Diretor e Recife de Luta.

Propostas da FIJ para as Conferências de Educação e Criança e Adolescente

A cada dois anos a Federação Ibura Jordão- FIJ e suas filiadas realizam a construção de propostas coletivas a serem apresentadas nas conferencias de Políticas Públicas. Como as propostas não se referem apenas ao Ibura e Jordão, mas para o conjunto da cidade, a FIJ espera contar com a adesão e envolvimento de outros movimentos sociais, gestores públicos, de forma a contribuir para efetivação das políticas públicas e para inclusão social.

PROPOSTAS PARA EDUCAÇÃO

METAS:

  • Universalizar a educação infantil mantida 100% pela instituição pública e ampliar a oferta de educação infantil em creche, no mínimo 70% para crianças de 0 a 5 anos até o final da vigência deste PNE.
  • Garantir a oferta de matrículas para todos os níveis.
  • Garantir a lotação de profissionais especializados para todos os níveis, para acompanhar o estudante na sua trajetória.
  • Construir escolas de tempo integral durante todos os dias da semana, garantindo a finalidade do ensino nas escolas municipais, atendendo as escolas integrais em 100% para todos os níveis para desta forma diminuir a ociosidade.
  • Autonomia política pedagógica do processo de ensino e aprendizado.
  • Ampliar a educação profissionalizante garantindo uma formação acadêmica e profissionalizante que sistematize a inclusão no mercado de trabalho, priorizando os jovens em vulnerabilidade.
  • Oferecer condições dignas de trabalho com vistas a erradicar o analfabetismo e construção imediata de mais escolas, melhoria da infraestrutura das escolas já existentes e investir na formação continuada dos professores.
  • Que as matrículas voltem a ser realizadas nas escolas, pois já se comprovou que pela internet não é bom para vários pais, pois nem todos têm acesso a internet.
  • Valorização do professor através de formação contínua garantindo uma formação acadêmica, incluindo mestrado e doutorado.
  • Formação sem vinculação com avaliação externas e/ou monitoramento.
  • Eleição direta para diretores e escola, creches e CEMEis- Centros Municipais de Educação Infantil, com avaliação por desempenho meritocracia e que seja revogado por dos anos. Realizar formação dos aprovados na seleção de gerenciamento de unidades escolares.
  • Ampliar o investimento para o mínimo 100% a cada dois anos, dando melhores condições as escolas comunitárias, melhorando o salário dos professores e fazendo pagamento em dia e manter material escolar para os alunos.

                                            

                                                   CRIANÇAS E ADOLESCENTES

  • Que os Conselhos Tutelares realizem plenárias de prestação de contas em relação aos atendimentos, pelo menos uma vez ao ano e por Regiões Políticas Administrativas.
  • Que o Ministério Público devolva a população o resultado do monitoramento da atuação dos conselheiros tutelares em assembleia anual.
  • Que o Conselho Municipal da Criança e do Adolescente, realize seminários visando o enfrentamento à exploração sexual, reunindo todos os órgãos de proteção, moradores(as), famílias, lideranças comunitárias do Recife.
  • Que a Secretaria do Crack e outras drogas realize atividades de prevenção nas comunidades carentes de baixa renda envolvendo jovens e famílias em vulnerabilidade.
  • Reativar o programa Agente Jovem nas Comunidades
  • Que a prefeitura ofereça cursos profissionalizantes para jovens e atividades culturais, esportivas e de lazer para crianças e adolescentes.
  • Que sejam aproveitas as pessoas moradoras das comunidades para as atividades de funcionamento e manutenção dos CMEI – Centro Municipal de Educação Infantil.
  • Que sejam oferecidas escolas em tempo integral para o ensino fundamental.
  • Que a gestão municipal realize estudo sobre demandas e amplie a oferta de favas nas escolas, creches e CMEI.
  • Que sejam feitas mensalmente, palestras para prevenção às drogas com os pais dos jovens, crianças e adolescentes nas comunidades.

Como estratégia de buscar a participação efetiva de crianças e adolescentes na direção de uma plena realização do direito a se expressar livremente, passando pelo direito a proteção e ainda o direito a proatividade na construção dos conteúdos do projeto “Mais Proteção, Menos Violência” (Etapas/KNH) – cerca de 140 crianças e adolescentes de comunidades do Ibura tiveram a oportunidade de desenhar suas impressões sobre a cultura do enfrentamento à violência doméstica e comunitária e vê-las estampando as paredes do Conselho de Moradores da Vila 27 de Abril – lugar onde acontece o projeto – através da Ação de Grafitagem facilitada pela ONG Cores do Amanhã.

Segundo o educador do “Mais Proteção, Menos Violência”, Cristiano Ferreira, a ideia de escolher a Oficina de Grafite se deu pelo fato do método de expressão ir de encontro com a realidade das periferias.

“O grafite nasce no subúrbio e passa uma mensagem de protesto. Nosso foco foi desenhar os temas discutidos no projeto e contar um pouco da história das domésticas que construíram a comunidade, falar do feminismo, fazer refletir sobre a padronização do corpo e abordar a consciência negra”, afirma o educador.

A metodologia da Ação de Grafitagem trazida pelo Cores do Amanhã na pessoa de Rudson (ex aluno do projeto do Cores no bairro de Tejipió – Recife) e acordada entre os participantes foi a abordagem do nascimento do Movimento Hip Hop de maneira lúdica para as crianças e documental para os adolescentes. Foi discutida a diferença entre o grafitte e a pichação, procurando desmistificar os estereótipos de marginalização que permeiam a arte do grafitte e as mensagens de protesto na pichação. As crianças de 6 a 11 anos criaram pinturas em tela e moldes vazados usados no grafitte, e os adolescentes (12 a 17 anos ) realizaram intervenções nas paredes externas do Conselho de Moradores.

Após duas semanas de atividades, a Ação de Grafitagem foi finalizada com um mutirão de artistas grafiteiros e participação do grupo de percussão do Cores do Amanhã.

Os desenhos das crianças e adolescentes foram utilizados para produção de um calendário 2018 para ser entregue às famílias participantes da Gincana do Afeto.

Mais uma vez chegou o mês de outubro, e com ele o dia das crianças, e todas as atenções se voltam para esse público: são presentes, festas, saquinhos de Cosme e Damião. Os que já não são mais crianças compartilham fotos e momentos de uma forma nostálgica. O mês de outubro segue, e parece que toda essa atenção para com as crianças, acaba ficando apenas no dia 12 de outubro, quando muito, no mês.

Por Pedro Ribeiro (*)

Existe uma série de questionamentos que se fazem necessários diante do que vejo: As crianças têm mesmo o que comemorar? Existe de fato uma preocupação social com a realidade das crianças em nossa sociedade? A criança e o adolescente são prioridade absoluta- como afirma o artigo 227 de nossa constituição? A doutrina da proteção integral trazida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente é uma prática em nossa sociedade?

Acredito não ter a resposta precisa para todas as perguntas, nem teria a pretensão de tê-las, mas gostaria de acrescentar alguns elementos e dados que considero importantes para o debate. Não sou mais criança ou adolescente, também não quero aqui mais uma vez cair no erro de falar por elas (algo que acontece com certa frequência entre nós), porém acredito que enquanto militante da área da defesa e garantia de direitos de crianças e adolescentes, tendo acesso a dados e informações que ainda não conseguimos fazer chegar às crianças e aos adolescentes, mas que elas conhecem em sua vida cotidiana e que os/as atinge diretamente em seus corpos e subjetividades, tenho por obrigação compartilhar essas informações e fomentar esse debate.

As crianças e adolescentes, hoje representam 29% (60.546.697 milhões) da população brasileira, na região nordeste corresponde a 32% de sua população, destes 23% não possuem acesso à água pela rede de distribuição e 54% não possuem redes de esgoto ou fossa séptica em seus domicílios (IBGE – Censo 2010 e PNAD 2015).

Em torno de 60% (8 milhões) da população de 0 a 18 anos do Nordeste e 40% da população do Brasil, nesta faixa etária, estão em situação de pobreza ou extrema pobreza, vivendo suas famílias com renda domiciliar per capita mensal igual ou inferior a metade do salário mínimo (IBGE – PNAD 2015).

No ano de 2015, foram registrados 10.456 homicídios cometidos contra pessoas de 0 a 19 anos, atingindo o percentual de 18,4% dos homicídios notificados naquele ano em nosso país. Segundo dados da UNESCO, existem hoje 8 milhões de crianças de 0 a 3 anos sem acesso a creche no Brasil, mesmo contando com os números de vagas da rede particular, temos apenas 21,8% da taxa de cobertura de creches necessária (INEP- 2015).

Há ainda, os casos de trabalho infantil e de violência sexual. No ano de 2015, 5,1 % das crianças e adolescentes, com idades entre 5 a 17 anos residentes no Nordeste do nosso país, estavam em situação de trabalho infantil, chegando a vários casos a situações análogas ao trabalho escravo (IBGE – PNAD 2015). No caso dos registros de casos de violência sexual, foram notificados 17.131 registros de denúncias violência sexual (Secretaria de direitos humanos da Presidência da república – Balanço Geral – Disque 100).

Compreendo que todos esses dados acima se configuram enquanto dados de violência e de violações de direitos contra crianças e adolescentes. A realidade da cidade do Recife e do Estado de Pernambuco, infelizmente, segue e em alguns momentos extrapolam os dados das médias nacionais. O estado de PE registra até o final do mês de setembro o numero alarmante de 4145 homicídios (Dados da SDS-PE), se nos utilizarmos dos dados da SDS/PE que sinalizava que quase 10% dos homicídios de janeiro a abril foram de crianças e adolescentes, podemos fazer a trágica projeção de que em PE já podem ter sido assassinados aproximadamente 415 pessoas de 0 a 18 anos apenas esse ano. Segundo os dados do Conselho Tutelar do Recife, existem hoje 2000 crianças e adolescentes sem acesso a educação por falta de vaga na rede pública de ensino. As instituições da sociedade civil, que trabalham com acolhimento, atendimento e prevenção com o público de crianças e adolescentes, vivem uma realidade extremamente difícil, com falta de financiamento público e privado, tendo alguns, já reduzido drasticamente o seu atendimento e outras informando ao ministério público um possível encerramento de suas atividades.

Nos últimos anos, podemos observar (no mundo) o avanço de pautas e posturas, conservadoras e antidemocráticas. No Brasil após o golpe na presidenta Dilma, que foi em grande parte apoiado por uma ala do nosso legislativo ligada ao agronegócio, ex-militares e fundamentalistas religiosos, que por vezes são os portas vozes, desse tipo de pautas em nosso congresso nacional. Essas posturas, por diversas vezes, atingem diretamente os direitos de crianças e adolescentes, a exemplo do programa “Criança Feliz” colocado com uma das principais ações do governo Temer, que foi apoiada por grande parte do legislativo, mas que na prática traz a volta do “primeiro-damismo”, com uma proposta de política pública com viés assistencialista, acarretando a negação do direito social, a desprofissionalização dos executores das políticas públicas sociais e reafirma a condição de subalternidade da mulher.

E não para por aí: Ainda temos em nosso congresso, em tramitação a redução da maioridade penal para 16 anos (PEC 171/93), que ao invés de tratar o problema em sua raiz, propõe uma solução extremamente equivocada. Já que o ordenamento jurídico brasileiro propõe a responsabilização de adolescentes que comentem atos infracionais, e acaba desconsiderando a condição peculiar de desenvolvimento desses sujeitos.

Em Pernambuco, foi apresentado pelo atual governado um projeto de Lei (PLO Nº1596/2017), que previa, dentre outras coisas, a gratificação a policiais civis e militares que cumprissem mandados de prisão e busca e apreensão de adolescentes em conflito com a lei. Após uma grande mobilização de movimentos sociais, o governador retirou a parte do projeto que referia à apreensão de adolescentes.

Diante de todas essas questões e informações, me resta concluir que de fato, as crianças e adolescentes tem pouquíssimo a comemorar, nossas festas, brincadeiras e presentes estão sujos de sangue e dor, o sangue e a dor delas! Não acredito que haja uma preocupação e responsabilidade social com a infância e adolescência em nossa sociedade, ao contrário do que prevê o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente. Visualizo uma prática cotidiana para com as crianças e adolescentes, muito mais próxima do código de menores 1929, em detrimento da prioridade absoluta assegurada pelo artigo 227 da constituição de 1989 e da doutrina da proteção integral proposta pelo ECA.

Talvez não haja o que comemorar, mas há muito que lutar. Que fiquemos com as sabias palavras de Don Helder Câmara, “Há criaturas como a cana: mesmo postas na moenda, esmagadas de todo, reduzidas a bagaço, só sabem dar doçura”, que sejamos doces, porém firmes, como as crianças e os adolescentes, que mesmo tendo seus direitos violados resistem em existir! Que possamos lutar para torná-los cada vez mais sujeitos e protagonistas dessa luta.

(*) Pedagogo e Coordenador do programa Criança e Adolescente da Etapas

Foto: (Comunicação Etapas)

Rayane Maia da Silva, 16 anos, moradora da comunidade de Três Carneiros, no Ibura. Na tentativa de driblar as dificuldades financeiras e as situações de violência comunitária, Rayane – aos 6 anos de idade –e sua mãe, começam a participar – em 2007 – das atividades dos “Vínculos Solidários” – projeto de parceria entre Etapas e ActionAid. A parceria que, ao longo desses 10 anos, promove formações em cidadania para cerca de 1 mil famílias de 11 comunidades do Ibura.

Aos 13 anos, Rayane participou do primeiro projeto voltado para as questões de igualdade de gênero no território do Ibura. O “Meninas, Adolescente e Jovens Construindo Cidadania” (2013-2015) de enfrentamento à exploração sexual e ao uso de drogas promoveu o intercâmbio de experiências entre 120 meninas de comunidades do Ibura, Cabo de Santo Agostinho e Passarinho.

“A participação nos projetos me fez ver que eu podia ter um futuro diferente do da minha mãe e que podia seguir atrás dos meus sonhos”, comenta.

Atualmente, Rayane cursa o 3º ano do ensino médio em escola pública do Ibura, faz curso técnico em Nutrição no Instituto Federal de Pernambuco (IFPE), dedica os estudos para prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) no curso de Pedagogia e atua como voluntária da Etapas nas atividades dos “Vínculos Solidários” no Ibura.

“Foi como voluntária que eu descobri que gostava de trabalhar com crianças e que queria ser pedagoga”, afirma.

Intervenção do projeto “Meninas, Adolescentes e Jovens Construindo Cidadania” em maio de 2014, na Praça do Diário, Recife.

O Programa de Voluntariado da Etapas consiste em fomentar o desejo do protagonismo de adolescentes para ser e fazer a mudança na vida pessoal e comunitária – participando do planejamento, organização e logística de atividades artísticas, esportivas e culturais com crianças, adolescentes e famílias que acontecem mensalmente no Ibura. Atualmente participam 50 meninas e meninos das comunidades de Três Carneiros, UR-10, UR-12, 27 de Abril e Pantanal.

Em sua atuação como voluntária, Rayane tem a possibilidade de reconstruir sua história e possibilitar a mudança nas histórias de vida de outros moradores do Ibura.

“Acho importante retribuir a oportunidade de crescimento que os projetos me ofereceram”, ressalta.

Iniciativas como da ETAPAS e ActionAid promovem mudanças fundamentais para que o jovem se desenvolva em sua própria comunidade.

“Vários jovens hoje estão fazendo faculdade e construindo sua família e isso eu vejo que foi depois dos projetos. Eles passam a ter atividades e a não ficar nas ruas se envolvendo com coisa errada”, afirma Rayane.

Rayane diz que deseja ver mais mudanças em sua comunidade. E espera que no futuro tenha menos violência, uso de drogas e mais segurança para as mulheres andarem nas ruas do Recife.