Ocupação 22 de Fevereiro no Ibura (Foto: Comunicação Etapas)

A moradia digna é um direito previsto na Constituição Federal – com garantias de uso e ocupação do solo para habitação em áreas urbanas. Antes de atender a interesses econômicos e estar submetido à lógica do mercado e do lucro, a cidade é um direito coletivo, que significa que precisa estar a serviço de toda coletividade, garantindo a proteção social e a qualidade de vida de todos e de todas.

Dona Marinalva, 56 anos, moradora da Ocupação 22 de fevereiro (Ibura), é um dos exemplos de quem teve o direito à moradia negado pelo Estado e precisou ocupar uma terra para construir sua casa.

Motivada a sair da casa do irmão e ter o seu próprio espaço para morar, chegou na ocupação no ano de 1997, aos 34 anos, sozinha, colocou uma lona em cima das madeiras e chamou de lar. “Eu ficava dia e noite dormindo no quadrado para não perder o lugar”, afirma D. Marinalva.

Passou um ano morando em um vão debaixo da lona com um fogão e um colchão. Aos poucos subiu as paredes com ajuda da mãe, que forneceu os tijolos e a madeira. Com o dinheiro das vendas do traque de massa, ela conseguiu comprar o restante dos materiais e assim construiu a casa própria.

A história de vida de D. Marivalda e da Ocupação 22 de Fevereiro, assim como de outras famílias e conglomerados com crescimento desordenados no Brasil, é uma das consequências da não efetividade da Lei nº 10.683 do Ministério das Cidades de promover melhores condições de vida para aqueles excluídos do acesso à cidade.

MORADIA DIGNA PRA QUEM?

Estima-se que em Recife exista um déficit de 64 mil famílias sem casa e 140 mil têm casa, mas precisam de infraestrutura, segundo dados do Habitat Para Humanidade.

“De 2007 à 2017 não vem se investindo em habitação no Recife. Tem um orçamento grande, mas não tem estrutura para dar atenção às comunidades. A Prefeitura do Recife gasta mais com propaganda do que com a vida das pessoas”, comenta a Diretora Executiva Nacional do Habitat Para Humanidade, Socorro Leite.

Dona Marinalva luta até hoje para ter um endereço reconhecido, por saneamento e mobilidade. “Eu quero comprar minhas mercadorias e que os Correios não precise deixar na casa do vizinho, assim como quero não ter medo de sair de casa e pegar alguma doença por causa do lamaceiro que fica na porta de casa”, reivindica.

Os movimentos sociais denunciam o atropelo do processo democrático e falta de abertura da gestão para a construção coletiva e do diálogo no Plano Diretor do Recife que está no processo de atualização das leis em 2018 que irão orientar os próximos 10 anos de gestão da cidade.

Articulação Recife de Luta em incidência pelo Plano Diretor da Cidade Do Recife

Em carta aberta publicada pela Articulação Recife de Luta, a sociedade civil denuncia:

Depois de tentar construir o processo da revisão do Plano Diretor junto ao poder público, nossas propostas para uma cidade que não se venda ao capital empresarial foram ignoradas pela gestão. Por isso, a Articulação Recife de Luta resolveu se retirar da Conferência, onde foram votadas as diretrizes urbanísticas para os próximos 10 anos.

O poder público tem 40% dos delegados, mais 13% do empresariado. Além disso, ocorreu fraude na eleição dos delegados dos movimentos populares. Participar da conferência nesse contexto é validar a farsa de participação popular criada pela gestão.

Mesmo diante da nossa manifestação, nós fomos mais uma vez tratorados. A Prefeitura votou o regimento da Conferência à força, sem nem lê-lo por completo e com ajuda de efetivo policial.

Seguimos acompanhando juridicamente as denúncias que fizemos contra esse espetáculo de participação. Reivindicamos que o processo seja interrompido por improbidade administrativa e apropriação indébita, já que vários estudos que deveriam ser feitos pela empresa contratada não foram realizados.

Moradores do Ibura expressam seus anseios e demandas por moradia digna (Foto: Comunicação Etapas)

Conforme planejamento anual, a Etapas e FIJ promoveram o SEMINÁRIO HABITAÇÃO E PLANO DIRETOR DO RECIFE, em novembro, no Colégio Carlúcio Castanha (UR-1), para debater as demandas dos moradores do Ibura e ouvir as propostas do poder público.

A mesa debatedora foi formada pela Diretora da FIJ, Maria Lúcia, pela Coordenadora Executiva da Etapas, Isabela Valença, pela Diretora Nacional do Habitat para Humanidade, Socorro Leite. Os representantes da gestão pública convidados: Antônio Alexandre (Secretário Municipal de Planejamento Urbano; Norah Neves (Diretora de Habitação do Recife) e Coronel Cácio Simonar (Secretário Executivo de Defesa Civil) não compareceram ao debate. A Secretaria de Habitação e a Defesa Civil enviaram representantes para ouvir as demandas.

Críticas ao Plano Diretor apresentadas no Seminário

• Copia trechos do Plano Diretor de São Paulo
• Desconsidera resoluções de conferências da cidade e boa parte das propostas que surgiram no próprio processo de revisão. Os movimentos sociais olham para o caderno e não sabem o que estão fazendo nas plenárias.
Não Respeita as identidades dos bairros e o território de populações tradicionais
Incorpora parâmetro que abre as ZEIS para o mercado imobiliário
Não consideram as unidades de conservação da natureza

Por que a atual proposta do Plano Diretor interfere nas áreas de Morro?

• Não incorpora novos terrenos nas ZEIS existentes nem transforma novas áreas em ZEIS II para produção de moradias;
• Não reconhece as atuais zonas de morro em ZEIS;
• Não define uma estratégia clara para as famílias do auxílio moradia.

Irmã Elza – a primeira da esquerda para direita – está há 20 anos no auxilio moradia (Foto: Comunicação Etapas)

Enquanto isso, Irmã Elza, moradora de Jardim Monte Verde, está há 20 anos recebendo auxílio moradia e sem perspectiva de voltar a ter a casa própria.

“Eu tinha construído minha casa, mas tive que sair por causa de uma obra da prefeitura da época. Veio os governos de Roberto Magalhães, João Paulo, João da Costa, Geraldo Júlio e nada de eu ter minha casa própria de novo”, afirma.

A Secretaria de Habitação, em nome de Silvana, disse no seminário que não tem projetos para o auxílio moradia.

Os encaminhamentos do Seminário foram de marcar uma reunião com a secretária de habitação Norah Neves e desengavetar o projeto habitacional de Jardim Monte Verde. Outro encaminhamento foi para fazer um protesto no dia da Conferência das Cidades marcada para dezembro.