[Artigo] Audaciosas: mulheres negras para se conhecer e reverenciar

Por ONG ETAPAS | Postado em , atualizado em: 25/07/2024, 17:07


Carolina Maria de Jesus ofertava num primeiro olhar as condições de migrante, negra, pobre, mãe solteira de três filhos.

Por Suzana Santos (Educadora Social – Etapas)

Certo dia me deparei com um vídeo da autora Conceição Evaristo no instagram que chamou minha atenção. Em uma entrevista para o ator Lázaro Ramos, ela falava sobre a também escritora Carolina Maria de Jesus e suas produções publicadas em meados da década de 1960, tecendo muitos elogios a sua contribuição intelectual e política referindo-se a ela como “audaciosa”. Confesso que esse episódio me fez refletir sobre o lugar da mulher negra na sociedade, que ainda segue atravessado por uma longa história de discriminação e opressão.

Sendo o Brasil um país de herança escravocrata, poder acessar Carolina de Jesus, uma mulher negra e semiafalbetizada que afirmou-se escritora em um contexto de censura e perseguição política, é uma experiência singular e incrivelmente inspiradora. Seus escritos denotam uma contraposição as narrativas de invalidação de pessoas negras enquanto sujeitos e sujeitas cognoscentes e vão de encontro às expectativas de subserviência da branquitude, sem garantir a este grupo “vantagens” por adotarem a causa dessa população.

Em muitas outras entrevistas, Conceição relata sobre a existência de uma tendência na sociedade brasileira de reconhecer a influência africana e afrodescendente em campos muito limitados, destacando ainda a influência do racismo e do sexismo nesse processo. Essas estruturas agem de modo a criar desafios únicos e interseccionais para estas sujeitas por lidarem com uma discriminação múltipla. E como reflexo desse processo, mulheres negras ainda precisam demarcar seus lugares e reivindicar o devido reconhecimento às suas muitas contribuições. Foi na contramão desta perspectiva que, em 25 de julho 1992, mulheres negras de 32 países se reuniram na República Dominicana para coletivamente denunciarem opressões enfrentadas, não só nas Américas, mas em todo o globo. Esta data foi então reconhecida pela ONU como Dia Intulernacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.

A historiografia tradicional nega e/ou ignora um lugar de destaque e de valorização as mulheres negras que ousam contar suas próprias histórias para reconhecerem em si o valor, para que não sejam rotuladas, para criticar e propor construir assim novas memórias e subjetividades. Nessa lógica, mulheres como Tereza de Benguela, também memorada a nível nacional nesta mesma data, não tem seus legados condecorados ao passo em que figuras violadoras dos Direitos Humanos são histórica e amplamente homenageadas comunicando assim quais perfis de pessoas são considerados como referências nacionais.

A autora Glória Azaldúa comenta que mulheres negras são constantemente condicionadas a se submeterem a ideais eurocêntricos de embranquecimento de peles, línguas, culturas e narrativas. Essa movimentação resulta no apagamento e/ou na deformidade da nossa história, o que não nos permite conhecer a nós mesmas, a nossa comunidade e, consequentemente nossas potencialidades. Contudo, são produções como as de Lélia Gonzáles, Sueli Carneiro, Neuza Santos Souza, Bell Hooks, Vilma Reis, Angela Davis, Chimamanda Ngozi, Djamila Ribeiro, Carla Akotirene, Ryane Leão, Cida Bento, Bárbara Carine, Conceição Reis, Patrícia Naia, Priscila Ferraz e tantas outras mulheres que nos permitem transgredir e caminhar em direção a liberdade das nossas mentes para só assim prospectarmos novas possibilidades. São mulheres negras, latino-americanas e caribenhas que lutam cotidianamente contra a subestimação e omissão histórica promovendo um senso de solidariedade e pertencimento a partir do fortalecimento de uma identidade coletiva.

A postura de Carolina de Jesus no dado tempo histórico, se apresenta como um chamado para que possamos registrar socializar e priorizar as nossas escrevivências – “escrita contaminada pela condição de mulher negra”, embora ainda sob o risco de sermos penalizadas por “vendermos nossa própria ideologia”.

Ainda em concordância com Azaldúa, a nossa escrita rompe com a imagem confortável, dócil e estereotipada que as pessoas brancas têm de nós. A importância de sermos mulheres negras que criam fissuras reside no propósito de emancipação e de recriar histórias, de modo que elas passem a incomodar os sonos dos injustos. Conheçam, leiam e reverenciem mulheres negras!

Suzana Santos – Pós-graduanda em Gestão de Projetos e Metodologias Ágeis (Católica Business School Brasil/UNICAP), Bacharela em Serviço Social (Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Pesquisadora em Relações Étnico-Raciais, Coordenação de Projetos e Educadora Social da Equipe Técnica de Assessoria Pesquisa e Ação Social – ETAPAS. E-mail: cttsuzanasantos@gmail.com

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