Com a perspectiva de conhecer e debater sobre a história das pessoas que lutaram para criação da Lei da Proteção Integral vigente no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Etapas participou do I Encontro de Idealizadores do ECA – realizado pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA-PE)– dias 9 e 10 de agosto no Viver Hotel Fazenda, em Moreno.

O evento contou com palestras de procuradores, desembargadores e professores, que há 30 anos vivenciaram as discussões para criação do ECA, com debates sobre a História da Criação do ECA; Qual o sonho atual?; O Milagre do MP de Pernambuco na Criação dos Conselhos de Direito e Tutelares de Pernambuco.

O coordenador do programa de crianças e adolescentes da Etapas, Pedro Ribeiro, avaliou que a participação foi importante para compreender a história e fortalecer ainda mais a luta pelos direitos das crianças e adolescentes.

“O ECA foi criado para que as crianças e adolescentes fossem tratadas como gente. O nosso sonho é que o Brasil não precise de Estatuto para garantir que a sociedade esteja garantindo efetivamente os direitos das crianças e adolescentes”, afirma.

O número representa 17,3 milhões de jovens, aponta estudo da Abrinq

Brasília – Cidade estrutural – Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil

Por Camila Boehm – Repórter da Agência Brasil São Paulo

Mais de 40% de crianças e adolescentes de até 14 anos vivem em situação domiciliar de pobreza no Brasil, o que representa 17,3 milhões de jovens. Em relação àqueles em extrema pobreza, o número chega a 5,8 milhões de jovens, ou seja, 13,5%. O que caracteriza a população como pobres e extremamente pobres é rendimento mensal domiciliar per capita de até meio e até um quarto de salário mínimo, respectivamente.

Os dados são da publicação “Cenário da Infância e da Adolescência no Brasil”, que será divulgado amanhã (24) pela Fundação Abrinq. O estudo relaciona indicadores sociais aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas (ONU), compromisso global para a promoção de metas de desenvolvimento até 2030, do qual o Brasil é signatário junto a outros 192 países.

“Algumas metas [dos ODS] certamente o Brasil não vai conseguir cumprir, a menos que invista mais em políticas públicas voltadas para populações mais vulneráveis. Sem investimento, fica muito difícil cumprir esse acordo”, avaliou Heloisa Oliveira, administradora executiva da Fundação Abrinq. “Se não houver um investimento maciço em políticas sociais básicas voltadas à infância, ficamos muito distantes de cumprir o acordo”.

Um dos exemplos de metas difíceis de serem cumpridas está relacionada à educação, mais especificamente ao acesso à creche. “Você tem uma meta, que entra no Plano Nacional de Educação [PNE], de oferecer vagas para 50% da população de 0 a 3 anos [até 2024]. Se você não aumentar o investimento e a oferta de vagas em creches – hoje estamos com 27% de cobertura –, não chegaremos em 50% para atender o PNE. Essa é também uma meta dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável [da ONU]”, explica Heloisa.

Outra meta distante do cumprimento é sobre a erradicação do trabalho infantil. “O acordo [com a ONU] prevê que, até 2025, os países erradiquem todo tipo de trabalho escravo e trabalho infantil. Nós [Brasil] ainda temos 2,5 milhões crianças em situação de trabalho. Se não houver investimento na erradicação do trabalho infantil, essa meta certamente não vai ser alcançada”, avaliou.

Jovens vulneráveis

Segundo Heloisa, o relatório ressalta o quanto os jovens são vulneráveis à pobreza.  Ela compara que, enquanto as crianças e adolescentes representam cerca de 33% da população brasileira, entre os mais pobre esse patamar é maior. “Se você fizer um recorte pela pobreza cruzado com a idade, você vai perceber que entre a população mais pobre tem um contingente ainda maior de crianças e adolescentes [40,2%]. Esse é um ponto importante que ressalta o quanto as crianças são vulneráveis à pobreza”, diz.

A representante destaca ainda a importância de analisar os indicadores do ponto de vista regional, uma vez que a média nacional não reflete o que se passa nas regiões mais pobres. Em relação à renda, o Nordeste e o Norte continuam apresentando os piores cenários, com 60% e 54% das crianças, respectivamente, vivendo na condição de pobreza, enquanto a média nacional é de 40,2%.

“Quando olhamos para uma média nacional, tendemos a achar que a realidade está um pouco melhor do que de fato ela está. O Brasil é um país muito grande, muito desigual, então se você olhar os dados regionais, vai ver que as regiões mais pobres concentram os piores indicadores de educação, de acesso à água e saneamento, de acesso a creches, por exemplo”.

Violência

O relatório mostra que 18,4% dos homicídios cometidos no Brasil em 2016 vitimaram menores de 19 anos de idade, um total de 10.676. A maioria desses jovens (80,7%) foi assassinada por armas de fogo. O Nordeste concentra a maior proporção de homicídios de crianças e jovens por armas de fogo (85%) e supera a proporção nacional, com 19,8% de jovens vítimas de homicídios sobre o total de ocorrências na região.

A violência é a consequência da falta do investimento nas outras políticas sociais básicas, segundo Heloisa. “Os outros índices influenciam diretamente a estatística da violência. Se você investir na manutenção das crianças e adolescentes na escola até completar a educação básica – que está prevista na lei brasileira, que seria até 17 anos –, se investir na proteção das famílias, na disponibilização de atividades e espaços esportivos para crianças e adolescentes, você vai ter um número muito menor de jovens envolvidos com a violência”, conclui

Heloisa destaca que há uma relação direta dos altos índices de violência com as estatísticas de pobreza. “A prova de que isso é uma relação direta é que, entre esses 10,6 mil crianças e adolescentes assassinados [em 2016], a maioria deles, mais de 70%, são jovens negros, pobres e que vivem em periferia. Portanto, são adolescentes que vivem em situação de vulnerabilidade social, ou seja, poderia ser evitado com investimento em enfrentamento da pobreza, melhorando a qualidade de moradia, educação e saúde”, acrescenta.

Para reduzir a violência e os homicídios nessa faixa etária, Heloisa alerta que não basta investir em segurança pública. “O melhor indicador da segurança pública é a evasão escolar zero”, diz. Ela cita um estudo, realizado pelo sociólogo Marcos Rolim, do Rio Grande do Sul, com jovens que ficaram na escola e outros que saíram precocemente. “O resultado que ele encontrou é que os jovens que permanecem na escola não se envolvem com violência, portanto, há uma relação direta e o melhor investimento para segurança pública é a escolarização, é a manutenção dessas crianças na escola”.

Os indicadores selecionados para o Cenário da Infância e da Adolescência podem ser encontrados no portal criado pela Fundação Abrinq Observatório da Criança e do Adolescente.

Foto: (Comunicação Etapas)

Rayane Maia da Silva, 16 anos, moradora da comunidade de Três Carneiros, no Ibura. Na tentativa de driblar as dificuldades financeiras e as situações de violência comunitária, Rayane – aos 6 anos de idade –e sua mãe, começam a participar – em 2007 – das atividades dos “Vínculos Solidários” – projeto de parceria entre Etapas e ActionAid. A parceria que, ao longo desses 10 anos, promove formações em cidadania para cerca de 1 mil famílias de 11 comunidades do Ibura.

Aos 13 anos, Rayane participou do primeiro projeto voltado para as questões de igualdade de gênero no território do Ibura. O “Meninas, Adolescente e Jovens Construindo Cidadania” (2013-2015) de enfrentamento à exploração sexual e ao uso de drogas promoveu o intercâmbio de experiências entre 120 meninas de comunidades do Ibura, Cabo de Santo Agostinho e Passarinho.

“A participação nos projetos me fez ver que eu podia ter um futuro diferente do da minha mãe e que podia seguir atrás dos meus sonhos”, comenta.

Atualmente, Rayane cursa o 3º ano do ensino médio em escola pública do Ibura, faz curso técnico em Nutrição no Instituto Federal de Pernambuco (IFPE), dedica os estudos para prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) no curso de Pedagogia e atua como voluntária da Etapas nas atividades dos “Vínculos Solidários” no Ibura.

“Foi como voluntária que eu descobri que gostava de trabalhar com crianças e que queria ser pedagoga”, afirma.

Intervenção do projeto “Meninas, Adolescentes e Jovens Construindo Cidadania” em maio de 2014, na Praça do Diário, Recife.

O Programa de Voluntariado da Etapas consiste em fomentar o desejo do protagonismo de adolescentes para ser e fazer a mudança na vida pessoal e comunitária – participando do planejamento, organização e logística de atividades artísticas, esportivas e culturais com crianças, adolescentes e famílias que acontecem mensalmente no Ibura. Atualmente participam 50 meninas e meninos das comunidades de Três Carneiros, UR-10, UR-12, 27 de Abril e Pantanal.

Em sua atuação como voluntária, Rayane tem a possibilidade de reconstruir sua história e possibilitar a mudança nas histórias de vida de outros moradores do Ibura.

“Acho importante retribuir a oportunidade de crescimento que os projetos me ofereceram”, ressalta.

Iniciativas como da ETAPAS e ActionAid promovem mudanças fundamentais para que o jovem se desenvolva em sua própria comunidade.

“Vários jovens hoje estão fazendo faculdade e construindo sua família e isso eu vejo que foi depois dos projetos. Eles passam a ter atividades e a não ficar nas ruas se envolvendo com coisa errada”, afirma Rayane.

Rayane diz que deseja ver mais mudanças em sua comunidade. E espera que no futuro tenha menos violência, uso de drogas e mais segurança para as mulheres andarem nas ruas do Recife.

 

 

Equipe do programa Criança e Adolescente da Etapas com profissionais da Escola Senador Antônio Farias (Três Carneiros – Ibura)

Com o objetivo de promover o diálogo sobre os Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes, a Etapas está a frente da articulação de uma Ciranda de Direitos voltada para os profissionais de escolas municipais e estaduais do território do Ibura e Jordão. A ação visa fomentar uma cultura de proteção às crianças e adolescentes, assim como provocar o poder público para inclusão da temática dos direitos humanos na formação complementar dos servidores públicos da educação.

Segundo o pedagogo da Etapas, Pedro Ribeiro, a iniciativa ocorreu a partir da verificação do não cumprimento do Art. 24. do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que determina: o médico, professor ou responsável por estabelecimentos de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, precisam comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente – sob pena de multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência – e pela reprodução de um metodologia de agir com a criança que reforça toda a desigualdade e violação que a mesma sofre.

“Sentimos a necessidade de conversar com esses profissionais sobre a importância da garantia da cidadania plena e dos direitos humanos de crianças e adolescentes, pois é o professor que mais tempo passa ao lado das crianças e adolescentes”, ressalta Pedro.

A Ciranda – que teve início na Escola Senador Antônio Farias (Três Carneiros), vai passar em mais cinco escolas públicas – parceiras da articulação da Etapas no Ibura e Jordão – entre setembro a novembro de 2017.


Com o objetivo de enfrentar a violência doméstica e comunitária por meio do fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários e do desenvolvimento emocional/afetivo e social das crianças e adolescentes, a Etapas – a partir do projeto “Mais proteção, Menos Violência” (Etapas/ KNH) – envolveu cerca de 150 meninos e meninas de duas comunidades carentes do Ibura em oficinas temáticas e lúdicas para possibilitar a construção do pensamento crítico, experimentação e as possibilidades criativas da infância.

A oficina lúdica de teatro para crianças de 6 a 11 anos facilitou – na prática – a compreensão do protagonismo de crianças e adolescentes no enfrentamento da violência doméstica e comunitária.

A oficina temática de Gênero e Sexualidade – destinada aos adolescentes de 12 a 16 anos – facilitou reflexões sobre relações abusivas entre meninos e meninas, violência entre pares, violência doméstica, a violência comunitária em forma de assédio e abuso contra ambos os sexos, e a prática da solidariedade entre meninas.  
         
O educador social do “Mais Proteção, Menos Violência”, Cristiano Ferreira, diz que as oficinas possibilitaram a percepção das crianças e adolescentes sobre o corpo “como algo que deve ser protegido e não violado”, a voz, “como uma ferramenta de potência, que deve se fazer ouvir”, a escola como um espaço de debate e acolhimento para um diálogo horizontal.

Ao final de cinco semanas da oficina de teatro, será produzido um fanzine. Segundo Cristiano, uma ideia que está sendo elaborada e amadurecida, é a de um mobilizar um grupo de meninas para discutir sobre feminismo e formas de enfrentamento ao machismo e suas ramificações. “Dá muito orgulho perceber que meninas de 12 a 16 anos estão caminhando para um empoderamento e solidariedade entre si”, avalia o educador.

A atividade marcou o início do fortalecimento da Rede de Proteção de Crianças e Adolescentes contra casos de violências doméstica e comunitária no território – como parte do projeto “Mais Proteção, Menos Violência” (Etapas/KNH)

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Dos dias 1 e 5 de dezembro, a Etapas promoveu o Curso de Detentores de Deveres voltado para lideranças comunitárias, gestores públicos e representantes de conselhos tutelares do Ibura. A atividade marcou o início do fortalecimento da Rede de Proteção de Crianças e Adolescentes contra casos de violências doméstica e comunitária no território – como parte do projeto “Mais Proteção, Menos Violência” (Etapas/KNH) – que há um ano atua no trabalho direto com 240 crianças e adolescentes e famílias das comunidades de Vila 37 de Abril e Portelinha na perspectiva de desnaturalizar as violências através do desenvolvimento emocional, afetivo e social do segmento infanto-juvenil e do fortalecimento dos vínculos familiares.

No primeiro dia, o Curso promoveu duas mesas de debates. Uma trouxe a discussão sobre o significado de violência doméstica e comunitária, com facilitação da psicóloga e técnica do Coletivo Mulher Vida, Mana Duarte. A outra debateu o cenário atual da garantia de direitos e os desafios para as políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes, com facilitação do sociólogo Vando Nogueira.

Para Vando, a Proposta de Emenda Constitucional, nº55 (PEC 55) que limita em 20 anos os gastos públicos com saúde, educação e assistência social é o desafio que está posto e reverbera em todas as políticas. “A mudança de projeto político – a partir do impeachment – está enfraquecendo os conselhos de direitos. Falta estrutura, mobilidade e recursos para os conselhos tutelares atuarem. O direito à participação está dando lugar a lógica do individualismo”, avalia. Ele afirma que o fortalecimento da Rede de Proteção de Crianças e Adolescentes no Ibura é importante para diminuir os impactos dos retrocessos nos direitos constitucionais provenientes da implementação da PEC-55.

No segundo dia, houve uma Roda de Diálogo entre os gestores públicos que atuam nos serviços de garantia de direitos e atendimento na saúde, educação e assistência do Ibura que promoveu a troca de experiência e diagnóstico das violações de direitos no território. Foram debatidas questões sobre o Sistema de Garantias de Direitos, Marco legal da Primeira Infância, Investimento em Capital Humano, Funcionamento e Ampliação do Atendimento e Limitação dos Recursos.

A Roda ainda trouxe a experiência do Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec) na atuação em Redes Municipais e Estadual de Proteção de Crianças e Adolescentes.

Para o técnico do Cendhec Ricardo Oliveira, a iniciativa é importante para integrar sociedade civil e gestores públicos, centralizar os serviços e qualificar o atendimento às famílias. “Fortalecer a Rede de Proteção é um caminho para tentar minimizar os retrocessos que a PEC do Fim do Mundo (55) vai trazer daqui a 10 anos”, afirma.

O II Módulo do Curso de Detentores de Deveres acontecerá no segundo semestre de 2017, mas a Rede começa a atuar em março de 2017, na perspectiva de realizar encontros bimestrais com os atores sociais do território.